"Para ver Alice é preciso usar os olhos"
Montagem inspirada no texto de Lewis Carrol, apoiada na perspectiva sombria do diretor de cinema Jan Svankmajer,
Alice e o que ela encontrou por Ali é uma pesquisa sobre o espaço que se move através dos corpos nele presentes (mesmo que ausentes). Eu construo Alice pensando no medo que sinto quando um sonho se repete.
A linguagem utilizada dá o tom da cena que apresenta a família da Alice, em um lugar que está, desde 1800ealgumacoisa, acontecendo repetidas vezes. Temos a sensação de que estamos assistindo, através de quatro paredes, uma dança baseada no cotidiano.
O interesse principal é abusar da repetição das ações ordinárias para ouvir o fantástico do real. Alice amplia o vazio do cotidiano. Sentar. Abrir e fechar os olhos. Atenção ao corpo. Se ele está silencioso demais ele também fala.
O planejamento das marcações de cena são, como na montagem de Salomé, uma pesquisa da iconografia, para o desenvolvimento do trabalho de ator e em Alice foram as fotos antigas que achamos em nossas casas que construiram os corpos para esse projeto.
Quisemos ouvir os sons da casa de Alice. Deixamos os ruídos dessa casa cantarem.
A casa dessa família existe como ruína e templo. Lewis Carrol com sua obra Alice no País das Maravilhas gerou o desejo de repetir uma certa estrutura familiar de fantasmas nada enigmáticos, nada anormais, e por isso mesmo, tão estranhos.
"EM QUE COMEÇA A PEÇA E TODO MUNDO FICA DE BARRIGA CHEIA. TODOS DANÇAM E ALICE GRANDE ENCONTRA UM COELHO NA PANELA, E NÃO NA CARTOLA."
"O cenário é uma casa: sala de jantar, cozinha, dois quartos e banheiro. Tudo é antigo e simples. Em torno da mesa de jantar, estão sentadas algumas pessoas: Alice, sua irmã mais nova, seu pai, sua mãe e seus três irmãos. Na cama, no quarto, está deitada outra Alice, coberta até o pescoço, olhando pra cima. Na sala, onde todos comem, parece haver muito barulho - todos fazem gestos animados enquanto comem (menos Alice, que só brinca com a comida) mas sem som. Só os talheres tilintam e os três irmãos fazem baderna e batem com os garfos nos copos e tigelas. No quarto, a outra Alice suspira."
"As pessoas continuam comendo. Seus movimentos são bruscos e Alice permanece entediada, com a cabeça apoiada nas mãos, por 2 minutos. Tudo está imerso em tédio e silêncio até que: Trocar de lugar!!! ...disse Alice."
Trabalhar com um grupo heterogêneo e criar uma unidade de movimentação é uma pesquisa rica em possibilidades. Os corpos com históricos completamente diferentes. A atmosfera de Alice e o que ela encontrou por Ali deu forma às memórias familiares que a equipe relembrou e compartilhou generosamente para nutrir o processo. Tenho que devolver algumas fotos assim que reencontrar esses companheiros daquela jornada.
Para esta construção os atores foram conduzidos para um trabalho de integração dos corpos, a atenção aos corpos, a indicação para treinamento do olhar periférico de cada ator em relação. A tonificação dos corpos: alongamentos, torções. O corpo produzindo sons e ouvindo seus próprios sons. Aquecimento sensorial do grupo criando um sistema. A análise dos pesos e ossaturas a firmeza de deslocamento em um espaço de cena com muitos objetos dependia de ensaios com realinhamentos da estrutura óssea e pesquisa do corpo em equilíbrio e em desequilíbrio. As esculturas de cada personagem foram sendo esculpidas. Articulações: as acrobacias, cambalhotas foram importantes para circulação de energia, alegria, para velocidades mais altas de cena. A preparação vocal devia conduzir os atores para os acentos que lembrassem carateristicas "arquetípicas" de cada personagem, o Pai da Alice, a Mãe, a Irmã Mais Nova que tem voz de gato e de Tartaruga Falsa.
Como na voz, a direção de cada qualidades de movimentação individual e suas sutis mudancas foi encaminhada para cada ator: como caminhar, correr em fluxos retos, curvos, de leveza, peso,
livres, contidos ou fluxos interrompidos, segundo técnica utilizada por alguns mestres, como Adriana Scheneider e Eleonora Fabião. A criação de conflitos pelas qualidades para a compreensão de camadas mais profundas de cada personagem que não seriam trabalhadas mais a
frente. A dança foi o aquecimento de introdução do processo. A criação de pequenas coreografias individuais e a seguinte repetição e demonstração para o grupo deu o tom para a montagem coreografada de Alice e o Que Ela Encontrou por Ali.
Eu gostei muito do resultado e tive o prazer de trabalhar com profissionais queridos com quem co-laborei:
FICHA TÉCNICA
DIREÇÃO GERAL
Nathália Mello
ELENCO
Arthur Ferreira
Dulce Penna
Julia Gorman
Luana Martau
Mariana Mello
Morena Cattoni
Theo Fellows
Vicente Coelho
ORIENTAÇÃO
Adriana Schneider
CO -ORIENTAÇÃO
Joana Lebreiro
DRAMATURGIA
Gabriel Tupinambá
CENOGRAFIA
Pamela Kimie
Marieta Spada
FIGURINO
Isabella Massi Pires
ASSISTÊNCIA/FIGURINO
Laura Shalders e Victor Mattos
ILUMINAÇÃO
Guilherme Tomaz
PESQUISA MUSICAL
Arthur Ferreira e Vicente Coelho
PREPARAÇÃO VOCAL
Luana Martau
PREPARAÇÃO CORPORAL
Nathália Mello
PRODUÇÃO
Grupo Ruína